O seguinte texto foi produzido para a disciplina Estética, do curso de Educação Artística/Artes Visuais da UFPE, em 2011. Por milagre/macumba da God Hand, a professora permitiu que nós pudéssemos analisar obras da cultura pop, algo que, por incrível que pareça, ainda faz emergir tabus ridículos nos cursos de Artes por aí, em pleno século XXI.
Como fan de Berserk (e das coxas gigantescas do Gatts E do Zodd), não tive dúvidas de qual obra escolher para a análise
É importante deixar claro que o que foi escrito é regido especificamente pelos livros ‘História da Beleza’ e ‘História da Feiúra’ de Umberto Eco. Nada mais natural e instigante, afinal, o Eco é fodão quando o assunto é Medievalismo.
Berserk se enquadra perfeitamente em vários aspectos tratados nas duas obras citadas. Alguns deles, já observados pelos leitores do quadrinho (mesmo que empiricamente, estou certa disso), são citados brevemente:
Antíteses Estéticas: Guts e Griffith
Guts e Griffith são personagens opostos e desempenham funções incomuns para suas aparências. Griffith possui beleza Apolínea, é sereno e harmonioso, porém, representa o mal na trama. É o antagonista no corpo de um “mocinho”. Já Guts possui uma beleza Dionisíaca, representa o perigo e está associado à loucura, ao exagero das formas, ao descontrole de sua insanidade berserker. É o “mocinho” no corpo de um antagonista.
Griffith é simétrico, ordenado. Sua armadura e florete são proporcionais ao seu corpo. Há respeito ao uso e ao senso comum. Guts é assimétrico, devido à perda do olho direito e braço esquerdo (no qual usa uma prótese de metal). Sua espada é desproporcional e foge ao senso comum, no que se refere ao próprio conceito do objeto espada naquele universo. Seu braço e espada são prolongamentos de seu corpo, máquinas simples, frutos de suas necessidades bélicas anormais, sobre-humanas.
Os dois personagens contrastam com o outro em todos os aspectos na narrativa: segundo o autor do mangá, Guts sempre andaria na lama, enquanto Griffith andaria sobre as nuvens. As aparências deles refletem isso. Na trama, Griffith é hábil com a fala, é socialmente aceitável. Guts é desprovido de tato, de manejo com as pessoas e as palavras, são raras as exceções.
Griffith é desejado por sua beleza e sofisticação. Guts causa repulsa pelo medo animalesco que aflige. É másculo, eternamente sujo, possui a pele marcada por incontáveis cicatrizes oriundas de combates. Já Griffith, possui uma beleza andrógina, uma pele imaculada, asséptica, alva e ideal. Griffith faz amor entre lençóis de seda, debaixo de tetos nobres. Guts, no mato, aos olhos da natureza.
Nas ilustrações coloridas, a paleta de cores que compõem a maioria das imagens de Guts é composta por cores quente e por preto, de uma obscuridade quase romântica. Nas de Griffith, composta por cores frias e por branco, em tons pastéis que remetem às aquarelas neoclássicas.
Guts traja roupas negras e marrons, dos cavaleiros misteriosos, dos homens do povo, do mundano. Griffith traja roupas alvas, púrpuras e azuis, referentes à nobreza, à pureza. Irradia luz divina, mesmo sendo um ser de alma obscura e demoníaca.
Guts desempenha a função do monstro na obra: realça as aparentes virtudes de Griffith. Apesar dos dois possuírem características monstruosas externas e internas:
Guts trava uma constante batalha com seu monstro interior, refletindo esse conflito em seu exterior, em surtos de insanidade. Griffith apenas oculta sua forma monstruosa sob sua carapaça atraente, agradável e quase divina. Na forma de Femto, é um incubo representado de maneira bela, um diabo que fascina.
Ambos transcendem o universo de Berserk, cunhado em moldes medievais:
Guts é um típico herói romântico, “gótico”, melancólico, filho da tragédia e da ironia.
Luta incansavelmente contra seu fatídico destino, tendo como alicerce suas próprias verdades e conhecimentos empíricos. Não é obcecado com a morte, mas sua sina é viver mergulhado nela. Tudo ao seu redor é cruel, decadente e tenebroso.
Griffith é um homem que vai além do ideal renascentista, sendo plenamente um homem da Idade moderna: Individualista, liberal e nem um pouco temente aos Deuses. O perfeito Príncipe maquiavélico.
O cão e o falcão, animais que representam a essência dois personagens e dão formas às armaduras dos mesmos, expressam o mundano e o celestial, respectivamente. Guts é um humano que abomina o extraordinário, que luta contra a própria “monstrificação”. Griffith renegou sua própria humanidade e abraçou o divino, aceitou e valorizou o monstro em si mesmo.
Referências:
ECO, Umberto. História da Beleza. Rio de Janeiro: Record, 2004.
__________. História da Feiura. Rio de Janeiro: Record, 2007.
MIURA, Kentaro. Berserk. Panini Comics: São Paulo, 2005.
Texto por Aline Évora.
Gostei muito dessa antítese, representou perfeitamente ambos personagens, meus parabéns, te desejo muito sucesso!